Poços de Caldas, MG – Nas encostas agrestes da Cordilheira Real, na Bolívia, onde o ar rarefeito desafia os pulmões e o tempo parece seguir outro compasso, o artista Ricardo Braga encontrou mais do que montanhas: encontrou ecos. Ecos de uma história viva, pintada com os tons da memória e da ancestralidade. Foi ali, em Peñas — um pequeno povoado encravado nas altitudes da Bolívia — que o muralista de Poços de Caldas transformou muros em testemunhos e tinta em linguagem universal.
Ricardo participou da Residência em Arte Urbana, um encontro de artistas guiado pelo renomado muralista argentino Mëx (Sebastián Zapata Häntsch), cuja obra já percorreu continentes e corações. Mais do que uma clínica intensiva de muralismo, o programa propôs uma imersão radical: viver, sentir e criar a partir do território. Nada de pinceladas soltas ou composições aleatórias — cada mural erguido ali carrega o peso da montanha e a leveza do sonho coletivo.
No Hotel Qalapanqara, espécie de oásis artístico em meio à vastidão andina, artistas da Argentina, Bolívia, Chile, Estados Unidos e Brasil, representado por Ricardo Braga, reuniram-se não apenas para pintar, mas para escutar. Escutar o vento que atravessa as trilhas incas, escutar as histórias interagirem com os habitantes locais. Ricardo Braga, que já imprimiu sua marca em diversas paredes de Poços de Caldas e região — sempre com uma estética poderosa e um discurso comprometido com o coletivo —, levou à Bolívia o que carrega de mais essencial: sua convicção de que o muro é uma tela de todos. Na residência, sua obra dialoga com os elementos naturais, com os traços culturais dos povos andinos e com o legado latino-americano que pulsa sob cada pedra do altiplano.
Ali, ao lado de artistas de diversas partes do mundo, o traço de Ricardo Braga encontrou novas perspectivas. Mais do que levar o Brasil à Bolívia, sua participação foi um exercício de escuta e troca: um gesto de construção coletiva entre territórios, saberes e experiências. Antes mesmo de movimentar os pinceis, os artistas caminharam pela comunidade, conheceram suas práticas culturais e atividades econômicas — um mergulho necessário na realidade local para que a arte nascesse enraizada. Foi nesse espírito que surgiu o mural de Ricardo Braga onde ele faz uma homenagem dedicada à “cholita”, figura símbolo da mulher boliviana, retratada em um raro instante de contemplação, vislumbrando seus próprios sonhos em meio à rotina exaustiva — enquanto seu “niño”, ao lado, já começa a imaginar os seus. A obra ganhou vida com a participação ativa das crianças e de pessoas da comunidade, que contribuíram com gestos, histórias e presença.
Nos murais de Peñas, como o de Ricardo Braga, pulsa algo que vai além da estética: são coloridos como os tecidos andinos, densos como os silêncios da montanha, urgentes como os tempos em que vivemos. O legado da residência não se mede em metros quadrados de pintura, mas em camadas — de história, afeto e pertencimento. Cada obra deixada ali é uma carta aberta ao futuro, um convite à contemplação e ao diálogo. Em Peñas, os muros agora falam muitas línguas. E uma delas é o português — com sotaque mineiro, traço firme e alma muralista.