Poços de Caldas, MG – A proposta enviada pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em 7 de maio de 2025 tem gerado intensa mobilização e preocupação em toda a comunidade acadêmica da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). O projeto prevê a transferência da gestão e do patrimônio da UEMG para a União, como parte do pacote de adesão do Estado ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), instituído pela Lei Complementar Federal 212/2025.
Em entrevista ao Jornal Mantiqueira, o diretor da UEMG em Poços de Caldas, Professor Dr. Mário Ruela Filhodenunciou o que considera uma tentativa de desmonte da universidade estadual. Segundo ele, a proposta foi apresentada de forma unilateral, sem qualquer consulta à comunidade acadêmica e pode resultar na extinção da UEMG caso a União recuse a federalização.
Dois projetos ameaçam a existência da UEMG
Ruela explicou que a ameaça à universidade se dá por meio de dois projetos apresentados à Assembleia: PL 3733: autoriza o governo de Minas a ofertar bens públicos – entre eles, 21 imóveis da UEMG, incluindo o prédio da Reitoria – como garantia para o pagamento da dívida com a União. Caso o governo federal recuse os imóveis, o Estado poderá vendê-los. PL 3738: propõe transferir a gestão e o patrimônio da UEMG à União, ou seja, efetivar a federalização da universidade.
Contudo, segundo o diretor, a União já comunicou oficialmente, por meio do Ministério da Educação e do Ministério da Gestão, que não aceitará essa proposta de federalização, por inexistir mecanismo legal e constitucional que permita a federalização de uma universidade estadual. “Se a União não aceitar a federalização, e os bens forem vendidos, estaremos diante da extinção da UEMG. Onde ela vai funcionar sem prédios? Sem estrutura?”, questiona Mário Ruela.
Impactos para alunos, servidores e cidades
Um dos maiores problemas apontados pelo professor é que os projetos não preveem o destino dos mais de 22 mil alunos, 1.700 professores e 1.100 servidores técnicos e administrativos que integram a UEMG em seus 22 campi espalhados pelo estado.
“A proposta não esclarece o que acontecerá com os alunos, com os professores e funcionários. O MEC já disse que não vai assumir. E os servidores que perderem a UEMG como local de lotação perderão mais da metade dos proventos, que vêm de adicionais específicos do ensino superior”, disse.
No caso de Poços de Caldas, unidade considerada pequena dentro da UEMG, os prejuízos locais também são grandes. “A universidade investe cerca de R$ 4 milhões por ano no município. Imagine o impacto em Passos, que tem uma unidade bem maior, que tem 23 cursos? Fora os empregos indiretos gerados”, alerta.
Estrutura local da UEMG
A UEMG Poços de Caldas conta hoje com cerca de 500 alunos, sendo 400 em cursos presenciais e 80 em cursos a distância (Administração Pública e Letras Libras). Os cursos presenciais incluem Pedagogia, Serviço Social e Gestão Pública, todos no período noturno.
Além do ensino regular, a unidade realiza ações de extensão comunitária, como: Projeto com contraturno da Escola Municipal João Pinheiro, atendendo 170 crianças; Programa Unabem, com cerca de 30 alunos da terceira idade; Oferta de bolsas de permanência, essenciais para garantir a conclusão dos cursos por estudantes em situação de vulnerabilidade.
O campus local possui 23 professores, a maioria concursados, e cerca de 10 funcionários administrativos. “Não é problema financeiro, é decisão política” O professor Mário Ruela argumenta que o patrimônio total da UEMG representa apenas 0,3% da dívida do Estado, que é de R$ 166 bilhões. “A UEMG não vale nem R$ 500 milhões. Não se trata de uma necessidade financeira, mas de uma vontade política de extinguir a universidade”, afirmou.
Ele também criticou a ausência de diálogo do governo com a comunidade acadêmica e pediu “consciência” aos deputados estaduais para barrar os projetos. “A UEMG é patrimônio histórico, educacional e cultural de Minas. Esperamos que os parlamentares reconheçam isso antes de permitir esse desmonte”, finalizou.
Situação atual
Os projetos seguem em análise na ALMG. Há resistência de diversos setores, incluindo defensores da permanência da Cemig e da Copasa como estatais. A decisão precisa ser tomada até o fim do ano, prazo para adesão ao Propag.
Enquanto isso, a comunidade universitária se organiza em mobilizações e denúncias públicas para tentar evitar um cenário que consideram devastador para a educação superior pública em Minas Gerais.
Proposta do governo
Além da Uemg, o governo pretende federalizar empresas como as companhias de energia (Cemig), de saneamento básico (Copasa) e a de desenvolvimento econômico (Codemig) como forma de pagamento da dívida. Ou seja, o estado entregaria seu patrimônio estratégico ao governo federal para quitar parte do débito.
A Associação dos Docentes da Uemg (Aduemg – Seção Sindical do ANDES-SN) repudiou publicamente a proposta, classificando a medida como autoritária, arriscada e sem garantias reais de federalização. “O projeto propõe a extinção da Uemg, incluindo, de forma açodada, arriscada e autoritária, a universidade no debate sobre a dívida pública do Estado. Não há qualquer garantia para os trabalhadores e estudantes da Uemg”, alertou.
A Aduemg SSind. destacou ainda que o projeto não assegura a incorporação de servidoras e servidores estaduais ao quadro federal, tampouco apresenta clareza sobre o futuro das carreiras, salários ou direitos adquiridos. Há o risco de que as servidoras e os servidores sejam apenas cedidos à União, com vínculos precários ou até redistribuídos para outros órgãos, sem respaldo legal.
Segundo a seção sindical, a Uemg está presente em 19 municípios mineiros, com 22 unidades acadêmicas, 141 cursos de graduação, 37 cursos de pós-graduação e atende cerca de 22 mil estudantes. Compõem o corpo técnico-administrativo aproximadamente 600 profissionais, e o corpo docente, cerca de 1.700 professoras e professores.
A Reitoria da instituição também se manifestou em nota oficial, publicada no dia 8 de maio, e informou que não foi convidada a participar de qualquer instância de debate sobre os projetos. A gestão da instituição defendeu que qualquer discussão sobre o futuro da universidade “deve ocorrer com total transparência, com a garantia dos direitos de servidores e diálogo com a comunidade universitária e a sociedade mineira”.
“A Uemg não pode ser tratada como uma moeda de troca do governo estadual, que, sem qualquer diálogo, mediação ou respeito pela comunidade acadêmica e pela sociedade mineira, vem tentando transferi-la de forma unilateral para o governo federal”, criticou o Sindicato Nacional, reafirmando a função social da universidade mineira que é um “patrimônio público do estado de Minas Gerais”.
Com informações do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior.
PAULO VITOR DE CAMPOS
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